sexta-feira, 29 de março de 2013

Spinleaks

Tramaram a morte_igualdade de Tiradentes porque ele lutou contra a sede do Império para com o ouro_diamante_dinheiro produzido pelas cidades-Estados daquela época. Dias atrás Idéia sonhou_olhou_viu ( ou foi? ) a acumulação. No sonho, Idéia Sem Matéria estava numa sala de aula estudando_pesquisando_olhando_sendo. Ao acordar, refletiu a respeito da acumulação como elemento presente na poética visual. Perceba, no momento seguinte, forma, a acumulação. Nâo se trata de coisa para ser lida mas para ser vista. O título da obra é "a deiscência do rascunho". Porque deiscência do rascunho? Porque a obra foi retirada_percebida quando abri a pasta rascunho do endereço eletrônico de Idéia, daí o título. Caso vc não saiba o que é deiscência, favor falar com o Py, spin médico, humano. Idéia ( no momento, Papa Fortuna) está muito cansado. Não tá muito a fim de delongar_esticar_puxar linguiça_falo
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                              Forma, o segundo momento

em branco

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                                  Conhecimento, o terceiro momento

LUIZ ALBERTO PY Shakespeare, através do famoso discurso de Marco Antonio prestando a última homenagem a César, na peça Julio César, menciona que este último havia deixado propriedades suas em testamento para a população, para que os cidadãos tivessem onde passear. (Em uma tentativa de tradução: “Ele legou a vocês todos os seus caminhos, bosques privados e pomares recém-plantados, nesta margem do Tibre. Deixou-os perpetuamente para vocês e seus filhos, para o prazer de caminhar ao ar livre e para recreação.”) Isto dá uma idéia do quanto a coisa pública era rara, a propriedade privada predominava e o local público não passava de uma estreita viela entre casas. Acredito que a publicação do privado é uma conquista da progressiva democratização da sociedade. Nesse sentido, instalações e obras de arte que visam ser mais públicas representam um avanço democrático sobre a obra feita para ser privada, possuída por um dono só. Curiosamente, se voltamos o olhar ao passado, veremos que a arte começa como pública e, creio, sua privatização se inicia somente após a Idade Média, quando surge a idéia da aquisição de obras de artistas plásticos. Um historiador poderá falar com mais propriedade sobre os detalhes. Posso frisar que a exposição nos leva a refletir sobre a questão dessa relação de uma forma provocante.

LUIS ANDRADE É curioso você mencionar Shakespeare, assim de cara, porque Fausto Fawcett, em seu texto Metálico Beethoven (ver página 209) cita de imediato Homero, ao dizer que “sentimento de rua é sentimento épico. Homero à espreita em cada esquina”. Ou seja, é o clássico e popular, em todo lugar. Love’s House — a mostra — não fica na rua. No entanto, é extensão sua. Existe outro dado que aproxima a proposta de ocupação com a Bienal de São Paulo: há uma convergência entre a exposição carioca com a obra de Carmela Gross, artista de São Paulo convidada para o evento no Pavilhão do Ibirapuera. Sua obra consiste na instalação de um signo urbano, um imenso anúncio luminoso de cor avermelhada, onde lemos a palavra HOTEL, logo na fachada principal do prédio de Niemeyer. Com ele, o Pavilhão transforma-se numa pousada temporária para obras de arte, que assumem então a condição transitiva de “hóspedes”. No nosso caso, o estatuto de “hotel” é verdadeiro. Sob alguns aspectos, ambas as situações criam um curto-circuito no que vem a ser público e privado. Um hotel seria ambos, não?

LUIZ ALBERTO PY Vejo aí a diferença entre uma exposição, uma bienal e um museu. O museu, como a residência permanente — e, num certo sentido, privada — da obra de arte, é real. Enquanto outras mostras podem ser públicas e provisórias. Minha experiência pessoal na visita à exposição foi inesquecível. O inusitado da oportunidade de visitar o velho prédio do Hotel Love’s House, suas magníficas escadas, seus quartos claustrofóbicos onde mal cabe uma cama e uma pequena pia, e o choque provocado pelas obras expostas formam um conjunto de sensações que inspiram reflexões sobre a história da cidade. Junte-se ainda a vista que se tem das janelas de alguns dos quartos — e que somos provocados a apreciar por força de engenhosos trabalhos, como os de João Modé e Fernanda Gomes/Fernando Gerheim: temos um estímulo a apreciar e rever a arquitetura e a disposição urbana do bairro da Lapa, particularmente de suas ladeiras e escadas (como a que fica ao lado do hotel, de memória nitidamente européia).

LUIS ANDRADE Tem ainda o fato de, em muitos momentos, a visitação no hotel se confundir com a dinâmica residencial ou turística dos seus clientes/moradores. As obras, ao adquirirem talvez o status de hóspedes em exposição, podem transformar seu visitante em outra modalidade de espectador, o voyeur. Aliás, diga-se a verdade, o voyeurismo ativo como elemento de algumas obras faz dos seus visitantes personagens integrantes da trama armada pelos trabalhos.

LUIZ ALBERTO PY Vale lembrar que toda obra de arte convida o espectador a dar vazão ao seu voyeurismo. Que, na verdade, sobeja em todos e em cada um de nós. A população de moradores e hóspedes do hotel acaba por se tornar também alvo de nosso olhar curioso, como se fizesse parte de algum happening artisticamente programado. Pensando melhor, talvez faça mesmo parte.

LUIS ANDRADE É o happening do real. Existe um sacudimento das categorias.

LUIZ ALBERTO PY Acho que a exposição, neste sentido, sacode nossa percepção e nos transporta, quase que lisergicamente, para uma reflexão sobre o espaço urbano. Eu, por exemplo, me senti muito reflexivo após a visita a ela e me percebi com um olhar inusitadamente atento aos detalhes da vizinhança do hotel. Por falar nisso, gostaria de conversar um pouco sobre o espaço de lazer que aquela rua representa. Até como um exemplo do que as ruas — espaços coletivos — significam como local propício ao lazer e à arte.

LUIS ANDRADE Bom, a rua Joaquim Silva, durante alguns dias da semana, concentra um público noturno, além do diurno, notável. Diversão, arte, lazer e prazer coexistem ali, para quem quiser tomar parte. O hotel, desde sempre, tem sido sua extensão. A propósito da natureza do lugar onde aconteceu a exposição, o escritor e dramaturgo Jean Genet certa vez disse, em sua obra O balcão, que é na alcova — na intimidade dos quartos de aluguel — que os disfarces e máscaras sociais funcionam mais propriamente. O que você pensa sobre isso?

LUIZ ALBERTO PY Assisti, em São Paulo, no final dos anos 1960, a uma encenação de O balcão, feita por Vitor Garcia, que me deixou maravilhado. O teatro foi totalmente reconstruído para abrigar uma platéia que se dispunha numa imensa espiral, dentro da qual ocorria o espetáculo, com incríveis lances acrobáticos. Imagine uma espiral de 15 a vinte metros de altura, com um vão central de uns oito metros de diâ-metro, e mais de uma dezena de atores se movimentando em diferentes níveis de altura dentro desse vão. E, no meio disso tudo, a santa loucura de Genet… Acho, em relação à sua questão, que os disfarces e máscaras são criados para serem usados em público. Todavia, concordo com Jean Genet, no sentido de que eles existem melhor no uso privado. Ou seja, é privadamente que melhor funcionam, e é onde mais precisamos deles. Digo isto porque é no espaço privado que a máscara melhor nos protege da tentação de desnudar o coração.

LUIS ANDRADE É possível afirmar que alguns dos trabalhos exibidos, na sua concepção, não equacionam semanticamente a finalidade privada daqueles quartos. No entanto, quando o fazem, nos levam a pensar em como a intimidade pode ser desnudada, podendo mesmo criar um certo “protocolo”, um tipo de intimidade cerimonial — pois sob constante vigilância. Nesse aspecto, a obra de Ricardo Basbaum é sintomática. Um circuito de microcâmeras transmite em tempo real para um monitor no corredor do hotel o desempenho dos visitantes no interior do quarto. É uma espécie de sistema cinemático. Você sabia que o Cahiers du Cinema, a revista, incluiu a versão do Big Brother na França como uma das dez mais importantes produções cinematográficas do ano, ali? O trabalho da sala escura com luz negra e centenas de olhos que nos observam, criado por Marcos Chaves, também nos fala sobre isso. Basbaum me falou algo sobre o tipo de “performance obrigatória” que tais procedimentos provocam em nós, na medida em que o comportamento tem sua dinâmica mobilizada pela contínua observação alheia. A participação do grupo Chelpa Ferro na mostra tangencia essa questão, embora seu circuito interno de câmera/monitor conecte o hall de entrada do hotel com um de seus cômodos, que não são “suítes”…

LUIZ ALBERTO PY Tive a sorte de levar comigo, para a exposição, meu filho de quatro anos. Através do olhar da criança temos uma outra visão (vale a pena lembrar que para enxergar a profundidade necessitamos de dois olhos — a percepção binocular), um outro olhar, de um outro ponto de vista, inclusive de diferentes alturas, que nos enriquece com sua tridimensionalidade particular. Observei como a relação do menino com as diferentes obras era lúdica — inevitavelmente, em uma criança — e como ele me facilitava a percepção do lúdico na integração das criações artísticas com o “Hotel” que as hospedava. Tenho dificuldade em destacar uma obra do conjunto da exposição, porque elas me parecem formar um todo que se harmoniza na proposta de ocupação de quartos de hotel.

LUIS ANDRADE Num outro tipo de abordagem, igualmente centrada nas relações de privacidade e observação pública, a obra Segredos, de Brígida Baltar, nos mostra um vídeo em preto-e-branco de um casal em close-up, no qual um homem sussurra coisas no ouvido de uma bela morena. As imagens são intercaladas com “ruídos” eletrônicos, em cores. Esses retratos cinematográficos em branco-e-preto nos falam do espaço da memória, espaço privilegiado de nostalgias. É como se quisessem nos lembrar de alguma coisa passada, ausente ou oculta.

LUIZ ALBERTO PY Um elemento interessante nessa obra reside na ausência da voz humana, na ausência da palavra. É como se a nós, os voyeurs, estivessem vedadas as possibilidades do significado do som. Seria uma espécie de castigo: se você quer tanto ver, vai ser privado de ouvir. O som se transforma então em ruídos eletrônicos, que não transmitem um sentido, um significado. Ou melhor, para mim transmitem o significado de uma privação — em contraposição a uma publicação que seria a explicitação do conteúdo verbal. Ficou claro isso?

LUIS ANDRADE Sem dúvida. Essa questão da observação contínua dos fatos parece que perpassa nossa cultura, nesse momento, numa escala continental, global. É o tipo de efeito de devassa eletrônica que redes de retinas, sejam elas digitais ou não (câmeras/olhos), infligem ao comportamento.

LUIZ ALBERTO PY Uma das influências sobre o comportamento diz respeito ao fato de que nos sentimos cada vez mais vigiados e, por isto, impossibilitados de ter o comportamento que desejamos. Acabamos por nos obrigar à conduta que, imaginamos, seja a que os outros que nos observam querem que tenhamos. Particularmente, tive uma preciosa oportunidade de observar este fenômeno, ao trabalhar como terapeuta no programa de TV Big Brother. Por outro lado, esse seu comentário me traz à lembrança o Big Brother: nem tanto o programa de televisão, mas o livro 1984, de George Orwell. Este trata exatamente da falta totalitária de privacidade do cidadão que Orwell predizia para o futuro — o poder do Estado, amplificado pelas quase miraculosas conquistas da eletrônica, invadindo a privacidade de cada um de nós. Além da questão mitológica de que Bill Gates estaria sabendo o que cada um de nós faz em seu computador, existe a questão de fato de que os governos — para o bem e para o mal, e infelizmente muitas vezes mais para o mal — cada vez mais têm a possibilidade de saber o que fazemos em nossas vidas, como administramos nosso dinheiro e como pagamos, ou não, nossos impostos. O lado positivo está no fato de que crimes como corrupção estão com seus dias contados, pois a eletrônica ajuda o cidadão e os meios de comunicação a flagrar criminosos corruptos em plena atividade, e facilita ao governo os instrumentos para recapturar dinheiro ilicitamente auferido.

LUIS ANDRADE Creio que chegamos num ponto interessante. O reality show é um fato. Gostaria que você me acompanhasse num raciocínio. Acredito que o fenômeno e a prática criativa sempre tenham sido uma espécie de “show da realidade”: evidências — ainda que codificadas — da compreensão e transmissão de algo que ocorre a todos nós, seres vivos, no processamento contínuo dos eventos que nos cercam. Uma transcodificação dessa situação. A arte seria, nesse caso, seu resultado mais imediato — procedente. Isso confere? Se conferir, talvez não tenhamos mais saída, exceto criar…

LUIZ ALBERTO PY Você me faz pensar que o artista é aquele que por intuição ou por reflexão consegue recriar uma realidade em sua obra. Por vezes, como ocorreu no século passado (começando no século XIX), essa realidade é eminentemente intra-psíquica, mas nem por isso deixa de ser realidade. Quando apreendemos a realidade que o artista transmite, geralmente de forma intuitiva, estamos em condições de usufruir o ensinamento sobre o mundo que toda verdadeira arte contém.


Grato,
José Carlos Lima
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PS: Isto é a continuação da História de Idéia*, cujo conflito não sabe definir_verbalizar_olhar_ser. Objetivo: a existência, ao final de 70 fragmentos, de 0_1_2_3... deiscências que, atualmente, chamam de arte. Depois de aprovadas pelo spin** médico do Poder Curador***, tais deiscências serão publicadas_expostas. Espaço: um túnel para a guarda_distanciamento de si. O calendário: Marte (07/01 a 20/03), Júpiter (21/03 a 01/06), Saturno (02/06 a 13/08), Urano (14/08 a 25/10) e Netuno ( 26/10 a 06/01). Cada mês possui 73 dias (74 no 1º mês de ano bissexto), dos quais 70 são dias vivos_diferentes e, os demais, dias mortos_iguais. Idade: o máximo de de espontaneidade_vida no tempo_espaço. Caso queiras parar de acompanhar esta história_caminho, bem como para substituir seu e-mail por outro, manifeste-se
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*Idéia: nome do personagem
**spin: sistema poético informativo nato
***Poder Curador: instância máxima da cidade-Estado de Idéia

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